Um afeto pode ser alguém de quem se gosta muito, mas também pode significar sofrer o impacto de uma ação: ser afetado. Substantivado, fala da pessoa de quem se gosta, dos meus afetos; adjetivado, fala do estado emocional das pessoas que estão afetadas, melindradas. Os diferentes sentidos da palavra passam por um caminho comum: tocar e ser tocado, afetar e ser afetado. É possível não ser afetado? É possível não afetar os outros? Pensando nisso, buscamos a origem do afeto, do sentimento mesmo, e o lugar aonde chegamos é de fato original, no sentido literal. De onde todos nós saímos, onde nós começamos: o ventre. É no ventre que o afeto nasce.
O afeto nasce no mesmo instante em que nasce uma mãe. A natureza transforma a mulher em mãe e, nesse ato, incute nela o germe do sentimento mais doce, forte e potente. Muitas mães relatam que amar o filho não é algo inato, mas semeado e cultivado no dia a dia da relação que constroem juntos. Mas amor é uma coisa, afeto é outra. E, embora não haja necessariamente amor no momento em que nasce uma mãe, há com toda certeza o nascimento do afeto. Nesse momento, a mãe nascida foi afetada para sempre pela vida trazida ao mundo através do seu corpo. Aquele serzinho para sempre viverá afetado pelo nascimento da sua mãe também.
Afeto é impacto
Afeto é impacto, é olhar para as consequências que geramos e, independentemente de amá-las ou não (ao menos não naquele instante) é de alguma forma intuir que somos meios para fins que não conhecemos.
Assim, a natureza nos ensina sobre o afeto por meio do primeiro ato das nossas vidas, do primeiro tato, do primeiro relacionamento que estabelecemos no mundo, a mesma relação que salva nossas vidas todos os dias enquanto somos completamente vulneráveis. E é graças a esse afeto que sobrevivemos.
Um salva vidas
É notório e digno de destaque que há relações que salvam vidas. E natural que ao crescer nos tornemos seres afetuosos, animais sociais como diria Aristóteles. Mas para onde vai o afeto? Torna-se uma característica humana, latente em nós; passamos a ter necessidade de manifestar, de dar e receber. Isso nos faz sentir mais vivos.
A dificuldade de construir laços de carinho reflete na capacidade de sermos plenos. É como se distanciar do próprio coração a ponto de já não encontrar mais o caminho de volta. Um dos países com o maior índice de suicídios, o Japão, tem também 40% da população masculina adulta virgem e um grande bloqueio para manifestar afeto.
O afeto é essencial para que nos sintamos humanos, nos conecta ao mundo e às pessoas. Não manifestar nossos sentimentos é como viver em uma prisão, é ter uma prisão de ventre a nos consumir. E, muitas vezes, ver como única saída possível para manifestar o que se sente na agressividade: contra si e contra os outros. Uma forma desesperada de pedir ajuda, ou afeto.
É fato que pessoas que possuem animais de estimação exercitam a afeição e têm menos tendência à problemas de saúde e a depressão. O afeto salva vidas.
“O ser humano precisa de afeto. Embora, às vezes, hostil, suplica desesperadamente por esse afeto.” DeRose
Há pessoas cada vez mais longe de si, ouvindo menos os próprios pensamentos, logo ouvindo menos os próprios corações, o que causa uma alienação nas emoções. Deixa-se de conhecer desejos particulares. Por não se ouvir direito, confunde-se vozes e a necessidade de afeto, que nos é natural, pode vir à tona de forma mortal em pedidos desesperados ou agressivos.
A vida em sociedade espera algumas coisas de nós, que sintamos e ajamos de determinada forma, e nos condiciona a fazê-lo. Mas se essa forma de ser não refletir a essência, cedo ou tarde essa incoerência cobrará o ajuste de contas. Ajustar as contas com quem somos em essência.
Muitas cobranças pesam sobre as mães hoje em dia. Mas no silêncio dos seus corações devem saber, nenhuma mãe deve se sentir mal por não amar um filho ou por duvidar do que sente. Só a dúvida destrói certezas construídas sobre solos frágeis e faz possível verdades advindas do coração ou da intuição e, portanto, inquebrantáveis e sobre as quais se constroem relações tenazes, perenes, profundas e reais.
Precisamos de afeto. Esse que une mãe e filho, que nos une uns aos outros. Quando o vemos como característica humana, quando entendemos que não há como ignorar, não há como não ser afetado quando algo ou alguém nos tocar, da mesma forma que a mãe não pode ignorar que há uma vida ligada a sua, percebemos a responsabilidade que temos com a gente e, em parte, com os outros.
É necessário afeto, receber e doar quando lhe sobra especialmente a quem precisa desesperadamente. Por isso, tão importante quanto contribuir para acabar com a fome de quem tem, é ajudar a aliviar o desespero de quem se perde de si por falta de conexão com sua humanidade, por falta de afeto.
